A noite está fresca e o vento sopra sobre as copas das árvores. Sigo o meu caminho de regresso a casa. Nem dou atenção a quem passa por mim e a estrada super-movimentada à minha frente parece que abranda para me deixar atravessar.
Na cabeça apenas um fado que canta desde que acordei e a lembrança de (foi sonho com certeza) alguém que conta aventuras de alto-mar, saídas à procura de mantimentos, passagens pelo Equador com Neptunos e ovos à mistura, de ondas enormes que me povoam as noites e que fazem querer desistir, seguidas de mares calmos e tranquilos como só se vê depois das grandes tempestades, homens arrastados pelo mar para não voltarem mais, mulher a bordo causando burburinho, buracos na parede e saltos para piscinas de repente vazias de água, narizes partidos e enfermeiros alcoólicos.
Uma miúda com cara de lua cheia e olhos enormes, sentada na cadeira pequenina, ouvindo essas histórias que lhe aumentam o tamanho dos faróis esverdeados e querendo ouvir mais e mais. Imaginando-se a vomitar feita louca no meio das montanhas de água que desde sempre aterrorizam os seus sonhos.
De repente sobressalto-me com o chamamento para a última oração do dia - Isha. Olho em volta e dou-me conta que não há mar - apenas uma cidade feia e poeirenta.
Na cabeça Carminho continua a cantar o mesmo fado.
Rodo a chave na porta.
Entro em casa.
Acabou o dia.