...o que a minha mãe me dava em miúda na noite anterior a qualquer evento especial para dormir melhor. ...o que de vez em quando ainda me dava jeito que a minha mãe me desse. ...um dos aromas que eu mais gosto. ...são reflexões que me assaltam.

04
Set 14

Estremeceu quando sentiu o toque no ombro. ''Por onde andavas?'' - perguntou ele calmamente - ''nao ouviste nada do que te contei...'' sentou-se ao lado dela e passou-lhe o braço por cima dos ombros. Ela aninhou-se mais debaixo do braço e fechou os olhos. Era bom estar assim. E lembrou-se de que ja crescida costumava encostar-se assim a mae a ver a novela. ''Andas a viajar outra vez sem mim'' - disse ele. - ''So gostava de poder um dia ir contigo.'' O burburinho do ar condicionado enchia a sala e ao fundo o radio passava musica soul. E lembrou-se do primeiro dia naquela casa e como se sentiu logo pertencente aquele espaço. Um lugar de refugio e de paz. Onde podia ser ela mesma sem se preocupar com ninguem. La fora um gato miou. Estava de noite e a humidade escorria pelos vidros como chuva.Se se abrisse a porta entrava a humidade e um calor sufocante. Ali dentro ate estava fresquinho. ''Tens que te deixar dessas viagens.'' - insistiu ele - ''Nao te fazem bem.'' Mas qual viagem qual carapuça. Ela apenas estava a pensar se amanha vestia os calçoes e a t-shirt branca ou se vestia o vestido para o churrasco no clube. Mas para que contar-lhe isso? Deixa-lo pensar que ela se ausentava em viagens enigmaticas sem ele - sempre era mais romantico.

publicado por aguadeflordelaranjeira às 20:54

15
Ago 14
Acordou com o sol a bater-lhe no rosto. Abriu os olhos e ainda mal acordada perguntou a si mesma onde e que estaria. O sono tinha sido agitado com sonhos estranhos povoados de pessoas a quem a muito tempo tinha perdido o rasto.
Lembrou-se que era sexta-feira e nao tinha que ir trabalhar. Espreguicou-se e ficou na cama.
Lembrava-se sempre dos sonhos que tinha, o que a maior parte das vezes a irritava por serem demasiado confusos ou demasiado perturbadores.
Em tempos houve alguem que a primeira coisa que lhe dizia quando acordava era "conta-me o que sonhaste hoje". Tambem detestava isso. Os sonhos nao se contam. Quando fazem algum sentido so fazem sentido para quem o sonhou. Mais ninguem por muito boa vontade que tenha os compreende. Ou talvez os compreenda de uma maneira que nao tem nada a ver com o que querem dizer na realidade.
Os sonhos desta noite nao tinham pes nem cabeca. As pessoas que apareciam neles ha muito que tinham desaparecido da sua vida e de algumas nem sequer do nome se lembrava.
Abanou a cabeca como que a enxota-los da memoria. Passado e passado. Nada tem a ver com o presente.
Levantou-se. Ligou o ar condicionado.
Hoje e o primeiro dia do resto da tua vida.
E hoje e fim-de-semana.
Carpe diem.
publicado por aguadeflordelaranjeira às 18:53

04
Ago 14

O vento soprava forte. A sua frente abria-se o mar cinzento e revolto, trazendo consigo salpicos de agua salgada e espuma e o cheiro forte a maresia. O ceu parecia que ia cair a qualquer momento, de pesado e carregado que estava. Mesmo assim as pessoas continuavam na praia (afinal era Julho e os dias de ferias nao se podiam desperdiçar fechados na casa alugada a quinzena).

A sua frente as miudas brincavam na areia indiferentes ao tempo. O balde, a pa, uma corda para saltar, o mar a brincar-lhes nos pes fazendo-lhes cocegas. ''Nao me apanhas! Nao me apanhas!'' As rochas para trepar. Qual vento, qual tempestade!! Ar livre! Podiam chover picaretas que ninguem as fazia ir para casa.

As gaivotas voavam tao baixo que quase razavam as cabeças. Lembranças de um filme de Hitchcock cheio de passaros por todos os lados. ''Sera que nos vao comecar a picar os miolos?'' - pensou assustada. ''Tolice! Olha as miudas que as assustas e depois nao ha quem as faça dormir a noite!'' Na realidade quem nao iria dormir era ela apesar de todo o cansaço que ainda sentia depois de uma viagem tao longa. Aquele filme sempre a tinha perturbado desde que o vira a primeira vez em miuda, ja la ia uma eternidade...

Voltou a olhar para o mar. Como era diferente do que via desde ha dois anos e como ainda se lembrava e amava o cheiro, a cor e as ondas revoltas que o caracterizavam. Fechou os olhos para gravar bem todos os sentidos para o tempo do deserto. ''Se ao menos o pudesse levar comigo.'' Pegou na maquina fotografica e disparou vezes sem conta na ansia de captar toda a sua essencia. Quem disse que na Ericeira o mar e mais azul? Nos dias calmos talvez mas nao em dia de mares vivas como aquele e que eram os seus favoritos. Era capaz de estar horas a olhar para ele e sempre se maravilhava com os efeitos de luz das ondas e a dança das gaivotas ao sabor do vento. Como amava o mar e aquele em especial.

Uma onda mais forte chegou ao lugar onde tinham as toalhas e os sacos. Menos mal - so molhou uma das toalhas, mas as miudas começaram num alvoroço entre o divertimento e o susto. ''Tia, nao vamos ja para casa esta bem?'' - perguntou a mais velha. A mais nova afirmou com ar decidido :''Nao gosto de praia.'' - ''Porque?!'', perguntou incredula. ''Porque tem areia. E eu nao gosto de areia.'' Evitou uma gargalhada e respondeu '' Ok. Vamos procurar uma praia com areia suficiente para estenderes a tua toalha e ficares o resto do tempo em cima dela. Assim ficamos todas contentes.''

Depois de reunir as tralhas e adocar os pes, subiram a rampa da Praia do Sul em direcçao ao carro. Se nao fossem as garotas teria ficado ali na esplanada o resto da tarde a olhar para o mar cada vez mais revolto, cinzento e branco como a cabeleira de um velho lobo do mar. ''Fica para a proxima'', pensou. O riso e as brincadeiras das princesas chamavam mais alto e depois de por o carro a trabalhar foram a caça de uma praia com areia mas suficientemente grande para se estender uma toalha e brincar sem pisar um unico graozinho da mesma.

publicado por aguadeflordelaranjeira às 17:10

05
Abr 14
Passou um ano. Doze meses. 365 dias. Nao sei quantas horas. Imensos minutos. Infindaveis segundos. Parece que foi ontem. Parece que foi ha milhares de anos atras.
Fechou os olhos e ali estavam eles outra vez - verdes, profundos, tranquilos, a descobrir cada um dos segredos mais escondidos que guardava para si propria devido a falta de coragem. E o sorriso que transformava o deserto num grande oceano tao verde como a cor daqueles olhos.
Sorriu tambem para si propria. Quem diria - pensou - a revolucao que aconteceu em si mesma desde aquele dia. Como se via na altura e como se ve agora. Como cresceu em doze meses aquilo que nao tinha crescido em quarenta anos.
A gata mordiscou-lhe a perna. Abriu os olhos. Pegou no algodao com desmaquilhante e comecou a limpar o rosto.
Voltara a ver aquele sorriso e a perder-se naquele olhar? Nao sabe.
Apenas sabe que valeu a pena e que nunca mais voltara a ser a mesma.
publicado por aguadeflordelaranjeira às 20:13

10
Mar 14

A chamada para a oração.

O cheiro a cardamomo.

As gargalhadas dos miúdos que povoam esta terra.

Olhos grandes e pretos a espreitar envergonhados atrás da abaya da mãe.

O cheiro a café acabado de fazer.

O meu amigo taralhoco.

A brisa do mar.

Acordar com mensagens inesperadas de bom dia.

A lembrança dos meus gatos.

O sorriso da minha família.

O cheiro da terra molhada.

O riso desdentado dos velhos quando tento falar para eles com o meu árabe mal amanhado.

O som do alaúde.

Receber flores virtuais de quem menos espero.

Olhar para as estrelas.

Sentir o sal na pele depois de um banho de mar.

O som do rotor de um helicóptero.

O toque do algodão.

O cheiro do meu perfume.
Pintar as unhas dos pés de cor-de-laranja.
Camisas brancas.

 

publicado por aguadeflordelaranjeira às 17:36

07
Mar 14

o dia está a terminar. sinto-me inquieta e com vontade de partir. mesmo sem fazer as malas nem arrumar nada. apenas pegar na carteira, no passaporte, na maquina fotográfica e sair por aí fora sem destino e sem olhar para trás.
quem me dera a coragem para o fazer. quebrar amarras. esquecer tudo e simplesmente partir sem olhar para trás.
sinto-me como um pássaro aprisionado numa gaiola - frase feita e usada tantas vezes que já se perdeu a conta e parece já nem fazer sentido. talvez, melhor dizendo, seja um peixe que saltou para dentro do barco e espera, agonizando, que alguém o deite borda fora antes que seja tarde demais.
sim. sou esse peixe. saltei para o barco de uma vida comum e igual a tantas outras, sempre almejando algo novo, sempre esperando algum acontecimento que me deite borda fora e me dê a conhecer aquilo com que sempre sonhei.
liberdade para ser quem sou. liberdade para viver fora dos parâmetros considerados normais. ou apenas coragem para o fazer.
estas quatro paredes sufocam-me. mas também me sufoca a cidade quente, poeirenta e barulhenta. sufoca-me a rotina do dia-a-dia.
faz-me falta o mar. a brisa salpicada de areia e sal. um barco que me leve ao sabor do vento para algum lugar distante e onde me encontre a mim mesma.
faz-me falta um céu pontilhado de estrelas e o som do marulhar da água na areia.
fazes-me falta.
faço-me falta.

publicado por aguadeflordelaranjeira às 15:59

06
Mar 14
Acordei pensando estar na casa e que depois do pequeno almoco iria a praia. Fiquei a preguicar um pouco mais entre os lencois e de repente descobri que estava a muitos quilometros da casa e do mar.
Abri a cortina. O sol brilhava la fora envolto na sua capa de poeira. Atraves do vidro adivinhava-se o calor seco e sufocante da cidade. Liguei o ar condicionado.
Fiquei a pensar no mar azul turquesa que me acolhera no fim-de-semana. Nos passaros e nas conchas enormes que vira. Nos peixes multicores pescados para o almoco. Na agua limpida e transparente onde se vislumbravam corais. Na fogueira da noite, na imensidao das estrelas do ceu e das estrelas que brilhavam ao mexermos os pes dentro de agua, quais cristais finissimos. E nos peixes que em cardumes saltavam fora da agua perseguindo o barco.
Ainda ha paraisos na terra. Locais que ficarao para sempre guardados na minha memoria.
publicado por aguadeflordelaranjeira às 19:36

09
Fev 14

As fotos que vejo arrepiam-me: tão belas mas tão violentas. Ondas enormes que se erguem junto à costa e pessoas minúsculas (com minúsculos cérebros talvez) tão perigosamente perto delas. Trazem-me à lembrança pesadelos recorrentes que tenho em que ondas gigantes se erguem à minha frente e me paralisam de medo. Invariávelmente acordo antes de alguma me engolir, mas a sensação de medo e de perigo acompanha-me pelo dia fora.

 

O que se passou com o mar que está tão zangado? O que se passou com o vento que sopra tão forte e a chuva que não pára de cair?

 

Neste décimo andar no meio do deserto ao olhar as fotos parece que ouço o ribombar das ondas, sinto o salpico do mar nos meus braços nús e o vento a uivar por entre o prédio. Acordo e vou à janela ver se está a chover. Mas tudo o que vejo é uma terra seca, cansada, estéril e poeirenta, um sol desmaiado pela areia que o cobre; sou atingida pelo vento seco e frio. Ainda é inverno aqui no deserto mas tão diferente do inverno lá de casa.

 

Visto o casaco por cima da farda. Aperto-o bem até ao pescoço. Ponho os óculos escuros e saio para o trabalho. Ainda não é hoje que vejo gaivotas a dançar como doidas por sobre Riyadh nem que sinto o cheiro do mar salgado da Costa Nova.

publicado por aguadeflordelaranjeira às 18:04

03
Fev 14

Sabes, às vezes as acções ou as palavras correm mais depressa que o bom senso ou a cautela. E acabamos por perder boas oportunidades para estar calada e quieta. E pomos de novo em risco tudo aquilo que não queremos perder. E volta o fantasma do passado recente a ensombrar as noites e os dias.

 

Parva que sou. Ainda não aprendi totalmente. Apenas parei a tempo de as coisas não piorarem.

 

Olho para as fotos das ondas enormes que assolam a costa e penso que, por vezes, sou assim para ti como aquelas ondas. Elevam-se de repente, sem aviso prévio e levam tudo pela frente, destruindo e alagando aquilo que era bonito e estava em ordem. Outras vezes penso que estou no meio daquele mar revolto e só a âncora que me segura me impede de partir à desgarrada e sem rumo, ao sabor das ondas e talvez acabando destruída na praia.

 

Seja como fôr. Hoje não foi um dia brilhante. Ainda deixei as palavras sairem como ondas na tempestade...e talvez tenha causado algo estrago.

publicado por aguadeflordelaranjeira às 18:10

30
Jan 14

Se ao menos houvesse um dia em que não sentisse saudades do mar...

 

Em dias cinzentos e chuvosos como o de hoje, estou sempre à espera de sentir o cheiro a maresia característico da minha terra, de ver as gaivotas a voar como loucas por cima da cidade e arrepiar-me com a nortada cortante e forte.

 

Mas uma pessoa chega à rua e tudo o que sente é um bafo quente e o cheiro a pó molhado. A rua alagada e nem uma gaivota para amostra. É mau.

 

E as saudades de Aveiro, da ria e da Costa Nova, acompanhadas por nevoeiro e nortada apertam até doer.

 

O que pode fazer um dia de chuva no deserto.

publicado por aguadeflordelaranjeira às 20:35

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